segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

SEMPRE EXISTE CULPA OU CULPADO?

Existe uma coisa em nossa natureza humana que precisamos repensar: mania de ter que culpar algo ou alguém por coisas que, que... acontecem.

Quando soube que tinha DPP - quando Peu nasceu - eu queria saber a razão daquilo. Para mim, tinha que ter uma boa razão... Escutei de tudo, mas, em especial, duas pessoas grudaram que meu problema era muita raiva acumulada. Eu sou como qualquer pessoa, que sente raiva e que depois passa. Ficam umas pontinhas de mágoas, em outros casos, algo mais forte, como um ressentimento "brabo", mas, quem, dentro a raça humana, não sente? O grande lance é que uma dessas pessoas insiste em fingir que não sente nada disso e vai explodindo sem admitir... Mas, isso é outra história. Bom, se já me culpava pela miséria no mundo, quando estava em meio ás crises, me sentia pior, quando essas pessoas queriam me ajudar dessa maneira... Daí, costumava dizer: muito ajuda quem não atrapalha. Boa intenção é pouco. Respeito é mais importante.

Eu acredito que existam doenças psicossomáticas. Mas, como se conhecer a tal ponto de evitar que ocorra algo? Esse é o grande lance de se saber que nossas emoções é que controlam nosso corpo, mas, quem de nós tem controle sobre as emoções, a ponto de não sentir nada? Lidar com raiva, acessos de fúria e diversas outras emoções destrutivas é que faz a diferença, mas, normalmente, elas explodem antes para depois a gente se cuidar e refletir. Se tem uma coisa que acredito é que nós temos a capacidade de nos curarmos, sim, mas, como somos seres complexos, não podemos determinar com 100% de certeza que a cura depende de nós mesmos. Sim, se não quisermos nos ajudar, nada ajudará. Mas, como disse a Marcia Cabrita, quer dizer que se uma pessoa não consegue se curar e morre, a culpa é dela...? Somos ou não cruéis e severos, até passarmos para o lado de um problema grave... Eu também, como todo mundo, julgava minha avó quando ela teve Depressão profunda... Dizia que ela precisava de força de vontade, precisava reagir, que dependia dela a cura... Até passar para o outro lado e ter Depressão Pós parto... Penso que podemos repensar nossas atitudes. Eu queria muito, durante o tratamento, descobrir a razão da DPP, até compreender que não deve existir uma única resposta... especulei o que pude e me aproximei do que poderia ter originado. Mas, só consegui me ajudar de verdade, quando me foquei na cura, antes de tudo. Concordo que procurar a origem é de suma importância, claro, para se curar algo, tem que saber o que curar... Mas, não podemos perder o foco no aqui e agora. Foi o que fiz: encarei a realidade e tratei das feridas abertas, enquanto procurava de onde ela veio.

Hoje, numa sala de espera, estava lendo as velhas e básicas revistas velhas e li uma "Isto É", de outubro de 2010 - olha, do ano passado - rs - e li a entrevista com Marcia Cabrita - atriz -, muita coisa interessante e a cara do A DOR SÓ DÓI ENQUANTO ESTÁ DOENDO. Pois é, segue, a seguir, um texto que vale a pena ser lido e nós podemos repensar algumas de nossas atitudes:

 
"As pessoas cobram muito de quem tem câncer"
(Marcia Cabrita)

Em tratamento contra um tumor de ovário, a atriz diz que, sem querer, muita gente culpa o paciente pela doença e atribui a ele a responsabilidade pela cura.

Eliane Lobato
 
A atriz e comediante Márcia Cabrita, 47 anos, recebeu o diagnóstico de tumor de ovário em março. Agora, ela acredita ter aprendido muita coisa nestes últimos sete meses a respeito de como se sente, de verdade, um paciente com câncer. Descobriu, entre outras coisas, que, mesmo sem querer, muita gente acaba jogando sobre os ombros do doente culpa e cobrança ao dizer, por exemplo, que a origem da doença está em uma mágoa não superada ou que é preciso manter o pensamento positivo sempre. “Atribuir ao esforço e à motivação interna do doente a capacidade de cura também é uma crueldade”, disse nesta entrevista à ISTOÉ. Sem falar do “olhar pé na cova”, como ela se refere às pessoas que falam “que bom te ver!”, mas cujo olhar não disfarça a surpresa por ela “ainda” estar viva, e bem.

Márcia retirou os ovários e o útero, a quimioterapia está dando certo e seu prognóstico é de cura. De sua casa, no Rio de Janeiro, ela compartilha a experiência no blog Força na Peruca e se anima com as mensagens dos internautas. Quando a quimioterapia não a deixa debilitada demais, sobe ao palco para encenar a comédia “Tango, Bolero e Cha Cha Cha”, em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Rio. Separada, é mãe de Manuela, 9 anos.

Istoé - O que você sentiu quando soube que estava com câncer?

Márcia Cabrita - Quando eu acordei da cirurgia em que retiraram o útero e o ovário, nem sei o que senti. O médico me disse que tinha encontrado uma coisa que não esperava. Eu perguntei: “É câncer?” Ele respondeu que tínhamos de aguardar o resultado da biópsia. Depois, tive medo de morrer. Muito. Só pensava em minha filha. Em deixar órfã a pessoa que mais amo.

Istoé - Conseguiu manter a calma?

Márcia Cabrita - Não, e penso que ninguém precisa manter a calma numa hora dessas. Mas fiz tudo o que tinha de fazer, tomei todas as providências: exames, consultas, cirurgias.

Istoé - No seu blog, você fala da cobrança que sentiu das pessoas a sua volta. Que tipo de cobrança foi essa?

Márcia Cabrita - Todos os amigos e familiares acabam cobrando muito: que você tenha pensamento positivo, seja otimista e forte. Mas, naquele momento, eu não conseguia isso. Eu só tinha pensamento negativo, era o inverso. Comecei a achar que não poderia ficar boa porque não era capaz de ter pensamentos bons. Só os otimistas conseguiriam e eu, então, estava fora dessa possibilidade.

Istoé - O que mais a aborrecia?

Márcia Cabrita - Uma crueldade é a busca de todos por um culpado para o fato de o câncer ter aparecido. No caso, era eu. É muito cruel insinuar que a pessoa é que “faz” o câncer porque ela era triste, porque se divorciou, porque comeu agrotóxico. Ninguém “faz” um câncer. Eu não tinha feito aquilo em mim, como poderiam me culpar?

Istoé - Você deve ter ouvido também que o doente é responsável por sua cura.

Márcia Cabrita - Isso. E esta é a segunda parte da crueldade. Você seria totalmente responsável pela sua recuperação. Se tiver uma cabeça boa, fica curada. Se não, não. Isso equivale a colocar a responsabilidade da doença em quem está doente. Discordo. Não tenho responsabilidade nenhuma. O que aconteceu comigo pode acontecer com qualquer pessoa. Seja ela feliz, triste, criança, velha, ator, otimista ou não.

Istoé - Antes de ficar doente, você já tinha falado essas mesmas coisas para outras pessoas?

Márcia Cabrita - Sim. Quando passei para “o outro lado”, vi pessoas fazendo coisas comigo que eu já fiz. Por isso, não duvido das boas intenções. É que ninguém sabe bem como lidar com a situação. Então, mesmo que eu fique magoada, eu compreendo.

Istoé - Que conselhos daria a quem está em tratamento contra o câncer?

Márcia Cabrita - Um conselho que posso dar é: não “consulte” a internet. Não há nada pior para um leigo. Informe-se sempre com os médicos. Segundo: um dia de cada vez, faça o que precisa ser feito agora. Terceiro: dê a si espaço para desabafar o que está sentindo – chorar, chutar, quebrar. Por fim, tente ignorar os “olhares pé na cova”.

Istoé - Como é esse olhar?

Márcia Cabrita - É terrível. Tem gente que fala: “Que bom que estou te vendo!” Mas, pelo tal olhar, eu ouço: “Nossa, você não morreu!” Há outros que te olham com cara de surpresa mesmo, como se olha para alguém indiscutivelmente com o pé na cova. A expressão diz: “Você está viva?!” E tem uma irônica parte boa do câncer: todo mundo passa a te amar, a gostar de você.

Istoé - Você consegue fazer humor com o assunto, não é?

Márcia Cabrita - É da minha personalidade. Mas não estou subvalorizando a doença. Porque o inverso do “olhar pé na cova” é a pessoa que tenta passar que não acha nada demais ter câncer. Não é legal. Você está se sentindo podre e a pessoa acha que ajuda dizendo que você está maravilhosa.

Istoé - Como você contou para a sua filha que estava doente?

Márcia Cabrita - Achei que devia explicar por que eu ia ficar careca. Não falei que era câncer, falei só que estava doente. Mas, depois, passei a noite pensando por que não tinha falado a palavra. Vi que estava estigmatizando. No dia seguinte, disse toda a verdade. Mas suavizei: “Câncer, igual ao signo de seu pai.” Ela respondeu: “Então, tá.”

Istoé - E como ela lida com isso?

Márcia Cabrita - Ela não fala muito. Mas encontrou uma maneira de me dar força que me emocionou demais. Depois que raspei a cabeça, comecei a usar lenços. Um dia ela disse: “Mamãe, eu queria usar um lenço igual ao seu.” Perguntei por quê. Ela disse: “Porque é muito legal.” E, nesse dia, foi de lenço para a escola. Chorei muito.

Istoé - Em que fase do tratamento você está?

Márcia Cabrita - Faço dois tipos de quimioterapia. Uma, toda semana, não provoca reações, me sinto bem. A outra me deixa péssima, faço de 21 em 21 dias. Essa me leva a nocaute. Fico quase uma semana de cama. O câncer traz sofrimento. Emocional e físico por causa da químio. Tenho dois cateteres (colocados sob a pele para injetar os medicamentos quimioterápicos). Farei mais dois meses de tratamento. Mas estou em remissão. Para quem não sabe, é quando você não tem mais o câncer, mas não pode, ainda, sair correndo e dizer que está curada.

Istoé - Está mais tranquila, então?

Márcia Cabrita - Desde que a quimioterapia começou a dar certo, o pessimismo passou. Os médicos são muito importantes nesse momento. Tanto o cirurgião, Celso Portella, quanto o oncologista, Eduardo Bandeira de Melo, me ajudaram a acreditar na cura. Hoje me sinto bem mais fortalecida, apesar de passar muito mal na quimioterapia. Somente agora sou capaz de sentir o que me cobraram no início.

Istoé - Por que quis fazer o blog?

Márcia Cabrita - No começo, para colocar para fora o que eu estava sentindo. E isso me fez um bem enorme. Depois, percebi que estava também ajudando os outros. Escrevem para mim pessoas doentes e as que não têm câncer. São pessoas que, como eu, não gostam, por exemplo, de ler que “fulano perdeu a batalha contra o câncer”.

Istoé - O que a incomoda nessa frase?

Márcia Cabrita - Isso dá a entender que a pessoa não lutou o suficiente. E não acredito que quem sobrevive é especial, que a pessoa “venceu” porque tinha alegria de viver, tinha amor pelos filhos. Quem morreu não tinha isso? Me incomoda demais responsabilizar o doente desse jeito.

Istoé - Você assumiu a doença desde o início?

Márcia Cabrita - Pensei em esconder, não tornar público para me proteger. É um momento muito sofrido e particular. Muita gente opta por não contar, e eu entendo. Mas eu estava para estrear a peça “Tango, Bolero e Cha Cha Cha”. A princípio, combinamos não dizer o verdadeiro motivo pelo qual eu não estaria na estreia. Mas aquilo me fez muito mal: além de tudo, ainda tinha que me esconder como se tivesse feito alguma coisa errada? Não menti, mas não dei nenhuma entrevista sobre isso. Pensei muito antes de marcar essa entrevista que estou dando agora porque, para virar uma coitadinha, não custa nada. E não quero este papel. Gostaria de continuar sendo o que eu sou. Não a atriz que teve câncer.

Istoé - E como está trabalhando?

Márcia Cabrita - Faço o espetáculo quando estou me sentindo bem. Quando me sinto mal, há uma atriz (Carolina Loback) que me substitui. É curioso estar no palco fazendo uma comédia. Eu penso comigo mesma: não acredito que estou com câncer e fazendo essa macacada toda no palco.

Istoé - O fato de ter tido câncer num órgão feminino afetou você de alguma maneira?

Márcia Cabrita - Achei que não ter mais ovário e útero poderia mexer comigo mas, sinceramente, me sinto igual a antes. Não tinha mais projeto de ter filho, então, não afetou.

Istoé - E perder os cabelos? Isso mexeu com você?

Márcia Cabrita - Não foi nada fácil. E nesta questão há outra cobrança cruel: todos ficam falando que o importante é viver, que o cabelo é o de menos. Não é bem assim. Claro que, ao se descobrir com câncer, o que importa é viver. Mas a gente sofre sim por perder os cabelos. Não é legal ficar careca, caramba. Depois, você se acostuma, supera mesmo. Eu superei isso. Mas na hora é difícil. Ver aquele cabeção careca é horrível. E ainda tinha isso: sentir culpa porque estava sofrendo por uma coisa que não tinha valor, já que o que importa é a vida.

Istoé - Agora você cuida da aparência sem culpas?

Márcia Cabrita - Eu tenho câncer, mas continuo sendo eu. Não quero sair na rua com cara de bruxa. Meus cílios caíram e a sobrancelha também caiu um pouco. Eu pinto, completo com lápis marrom. Atualmente, uso uma prótese de cabelo, parece peruca. Uma noite, no teatro, aconteceu uma coisa incrível. O cabeleireiro do teatro a alisou e, quando olhei no espelho, voltei a me ver, entende? A cura se materializou, eu fiquei igual a mim, como eu era. Recuperei minha imagem. Como fiquei feliz!

Istoé - Após o tratamento, acha que dará mais valor às coisas simples, será mais generosa, vai mudar?

Márcia Cabrita - Acho que não. A única coisa que vai mudar é que lidarei melhor com isso se alguém, um dia, precisar de mim. Mas não serei diferente. Pretendo voltar a ficar chateada com meu cabelo se ele não estiver legal, com a unha quebrada, com a calça apertada. Quero que os motivos fúteis voltem. Quero ter, de novo, o direito de me irritar por futilidade.

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